Sunday, October 22, 2017

Ensemble Resonet – Cantiga: Trobadores de Galiza e Portugal (s. XIII-XIV) (2016, GAUDIA)




       O agrupamento vocal e instrumental Resonet (designação retirada da peça “Vox nostra resonet” do Codex Calixtinus, do século XII), é um ensemble criado em Santiago de Compostela, em 1990, pelo conceituado músico espanhol Fernando Reyes (direção musical, cítola, alaúde, cistro, guitarra barroca e setar). De formação variável, o grupo integra, para o projeto "Cantiga", de 2016, Mercedes Hernández (canto e percussão), Paulo González (flauta, sanfona e gaita) e Carlos Castro (saltério e percussão), tal como Reyes, especialistas na interpretação da música antiga. 
Para além de Cantiga” (Trovadores da Galiza e Portugal dos séculos XIII e XIV), fazem parte da discografia do Ensemble Resonet os registos “La Grande Chanson” (Canções dos peregrinos franceses do século XVII), “Santiago!” (Música e peregrinações no Renascimento), “Les Pellerines” (A moda da peregrinação em França no século XVII), “Il Pellegrino” (A viagem de Cosme III de Medici, em 1668), “Canto de Nadal” (Temas de Natal da Galiza), “Cantares Galegos” (Poemas de Rosalía de Castro, do século XIX), “Canto de Ultreia” (Cantos de peregrinos no século XII), “Festa Dies” (Músicas para a consagração da Catedral de Santiago, em 1211) e “A Peregrina” (Cantos e romances nos caminhos de Santiago).
Exclusivamente dedicado ao repertório trovadoresco galaico-português, Cantiga”, o registo que aqui destacamos, foi gravado em dezembro de 2015, na Igreja Românica de São Pedro de Rates, na Póvoa de Varzim, sendo o disco oficialmente apresentado ao público em julho de 2016, numa sessão que antecedeu o brilhante concerto realizado nesse mesmo espaço, no âmbito do 38º Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim.
As vinte e uma faixas de “Cantiga” consistem maioritariamente em propostas de reabilitação musical da tradição trovadoresca cuja música se desconhece. Excetuando as seis Cantigas de Amigo do jogral galego Martim Codax (das sete incluídas no Pergamiño Vindel, datado de finais do séc. XIII) e uma das sete do rei D. Dinis (incluídas no Pergamiño Sharrer, descoberto no Arquivo da Torre do Tombo), que chegaram até nós com música, as restantes faixas do disco são recriações musicais sobre poesia (cuja música não foi notada ou se perdeu) de diversos trovadores e jograis galegos e portugueses medievais, nomeadamente Afonso Sanchez (filho bastardo de D. Dinis e figura central da corte portuguesa), Roi Fernandiz de Santiago e Airas Nunez (clérigos galegos ligados à corte castelhana de D. Afonso X, o Sábio), Pai Gomez Charinho (nobre galego ligado à corte castelhana de D. Sancho IV), Mendinho (jogral galego de quem nos chegou apenas a extraordinária Cantiga de Amigo "Sedia-m' eu na ermida de San Simión"), entre outros.
O processo de recriação musical encetado pelos Resonet, em “Cantiga”, baseou-se em duas estratégias principais: por um lado a improvisação, “tendo em conta os modos, os ritmos e o estilo da época” e, por outro, a prática da “contrafacta”, isto é, da aplicação da melodia de uma cantiga numa outra, habitual na Idade Média. A maior parte das melodias que serviram de ponto de partida à contrafacta são retiradas das Cantigas de Santa Maria (coletânea com 426 cantigas com notação musical, realizada no século XIII, na corte do rei de Castela, D. Afonso X, o Sábio) e do Codex Calixtinus (manuscrito relacionado com o culto e as peregrinações jacobeias e que inclui melodias gregorianas e música polifónica).
Sobre as possíveis formas de tocar os instrumentos, o ensemble Resonet baseou-se na iconografia musical medieval (nomeadamente nas iluminuras do Cancioneiro da Ajuda). Por outro lado, os intérpretes basearam-se, também, nas formas de execução sugeridas pela morfologia e pelas características acústicas dos próprios instrumentos musicais, procurando, deste modo, ir ao encontro das eventuais formas de execução instrumental na Idade Média. 
        De um modo geral, "Cantiga" revela-se um registo de altíssima qualidade musical e de incontornável valor cultural, por um lado, por resultar de um digno esforço de reabilitação do património galaico-português e, por outro lado, por apresentar um conjunto de abordagens interpretativas e de combinações instrumentais absolutamente fabulosas.  

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