Wednesday, December 30, 2020

Constantinople (Canadá/Irão/…) & Ablaye Cissoko (Senegal)

 

O ensemble Constantinople, fundado em Montreal (Canadá) em 1998 pelo iraniano Kiya Tabassian, consagrou-se na utilização de uma linguagem única e de uma visão nova e criativa face à interpretação das músicas tradicionais, bem como das da Idade Média e do Renascimento. O trabalho de recolha do grupo baseou-se num cuidadoso estudo dos manuscritos históricos e na sua aproximação à tradição oral do Próximo e do Médio Oriente, nomeadamente à clássica persa. Assim, os Constantinople debruçam-se sobre uma “fertilização cruzada” entre as diversas culturas musicais, sobretudo das áreas à volta do Mediterrâneo, nomeadamente a judaica, a árabe, a persa e a cristã. Para o efeito, convidam para as suas gravações uma grande quantidade de músicos de geografias diferentes, entre as quais se salientam os cantores Marco Beasley, Françoise Atlan, Savina Yannatou e Suzie LeBlanc; o griot Mandinka Ablaye Cissoko; o ensemble grego En Chordais, o duo belga Belem e o grupo americano The Klezmatics; o virtuoso do sarangi Dhruba Ghosh, o clarinetista e compositor sírio Kinan Azmeh e o mestre iraniano do kamancheh, Kayhan Kalhor. Naturalmente que os Constantinople se servem, também, de uma panóplia de instrumentos antigos, como o alaúde, a vihuela, a harpa medieval, a viola da gamba e a vièle, entre outros, bem como de instrumentos orientais, tais como o tombak, o daf, o santour, o oud, o setar (instrumento de cordas de origem persa) e o dayereh (espécie de tambor persa).

No destaque que hoje aqui fazemos, importa-nos salientar a colaboração dos Constantinople com o músico senegalês Ablaye Cissoko, exímio tocador de kora, que descende dos gritos Mandinka. Dessa fértil colaboração, nasceram os álbuns “Jardins Migrateurs” (2015) e “Traversées” (2018), editados pela etiqueta Ma Case.

Nesses projetos, os Constantinople & Ablaye Cissoko cultivam uma comunhão espiritual em que as linhagens persas envolvem subtilmente elementos clássicos do Ocidente e tradicionais da África Ocidental. Mas, ao contrário de tantos projetos de “fusão global”, “Jardins” e “Traversées” estabelecem um território verdadeiramente novo, decididamente o seu próprio, sem pretensiosismos ou preconceitos, convidando os ouvintes a participar numa viagem musical hipnótica, propícia ao sublime. Viola da gamba e percussão sustentam a kora, o setar e a voz e, numa simplicidade desarmante, promovem uma troca que evoca uma beleza sonora incomensurável.

Saturday, December 26, 2020

Malandança (Galiza) - “Mya Senhor Velida: Medieval Lais & Cantigas from France & Spain” (2018 Brilliant Classics)

 O grupo Malandança, especializado na música medieval, foi fundado na Galiza (Espanha), em 2000, a partir da proposta de Francisco Luengo, o diretor da banda, que decidiu contactar vários músicos que conhecia para fazer um concerto de música medieval, sem saber se essa iniciativa teria ou não continuação.


Constituídos por seis elementos, os Malandança cantam, contam e tocam guitarra mourisca, cítola, harpa, violas e várias percussões. As réplicas que utilizam foram construídas sobretudo por Luengo, a partir dos instrumentos representados no Pórtico da Glória da Catedral de Santiago de Compostela (século XII) e das esculturas da Sé capitular do Pazo de Xelmírez (século XIII), à exceção da guitarra mourisca, que foi feita a partir de uma das miniaturas presentes no Códice b. 1.2, do mosteiro do Escorial.

Em 2001, os Malandança editaram o disco Unha noite na corte do Rei Alfonso (Clave Records), gravado na Igreja de Santa Maria de Viceso (Galiza), no qual constam sete Cantigas de Santa Maria. Fazendo parte de uma coleção de 426 obras dedicadas à Virgem, estas cantigas foram escritas em galaico-português na segunda metade do século XIII, por volta de 1250-80, sob a direção do então rei de Castela, Afonso X, o Sábio (1221-1284). 

Em 2018, os Malandança editaram Mya Senhor Velida: Medieval Lais & Cantigas from France & Spain (Brilliant Classics), gravado na Igreja de San Fins de Brión (Corunha). Nele constam mais três Cantigas de Santa Maria (200, 421 e 340), mas também duas longas “lais”, originárias da França medieval. Em comum, o facto de partilharem a nova ideia que surge na poesia trovadoresca: o amor cortês; amor que abraça o profano e o divino, o carnal e o místico. Se no carnal há uma senhora nobre que causa sofrimento ao poeta, no místico exalta-se a Virgem Maria. Completa o disco uma antífona do Ofertório, cantada na festa de Maria Mediatrix. Este papel de mediadora é, aos olhos medievais, a principal função da Virgem Maria.”